Fichamento de texto de apoio para "Atividade Prática": MORATO, Edwiges Maria. Vigotski e a perspectiva enunciativa da relação entre linguagem, cognição e mundo social. Educ. Soc. [online]. 2000, vol.21, n.71, pp. 149-165.

por Vinicius Rosini Rufino RA093226

Neste artigo Morato, à luz da Lingüística contemporânea, aborda, em termos gerais, a questão da linguagem na obra vigotskiana, como esta se aproxima, em suas concepções, à teoria enunciativa e, por conseguinte, a autores como Humboldt, Bakhitin e Benveniste.

Para tanto, partindo do pressuposto de que frente às atuais vertentes lingüísticas “Vigotski é um autor indefensável” (p.150), tanto do ponto de vista da psicolingüística, quanto dos estudos em aquisição da linguagem e da neurolinguística, a autora apropria-se das noções de “semelhanças de família” de Wittgenstein e “ar de família” de Lahud para realizar a aproximação entre esses autores de contextos distintos, sendo elemento unificador entre eles, abstraindo-se as especificidades de cada um, o fato de conceberem a linguagem enquanto “processo”, “atividade”, “energeia”, conferindo-lhe dinamicidade e contrapondo-se à tradição saussureana que a concebe como simplesmente signo.

Nesse sentido, a partir do “domínio da interpretação”, interessa à autora discutir “dois movimentos teóricos realizados direta ou indiretamente por Vigotski” (p.152). A saber: “o primeiro diz respeito á perspectiva enunciativa que ele deixa entrever na relação entre linguagem, cognição e mundo social; o segundo diz respeito ao papel ‘regulador’ conferido à linguagem nessa relação”. (p.152)

Segundo Morato, em relação à primeira questão, a maior contribuição de Vigotski a certas áreas da lingüística está no fato deste, no tocante á relação entre linguagem e cognição, pautar-se, enfatizar “os processos de significação e dos vários movimentos de sentido em jogo nas diversas práticas discursivas” (p.153), estabelecer que somente a linguagem “põe às claras” a relação entre as palavras e as coisas; a significação expressa-se como o “fenômeno lingüístico por excelência” em sua obra. Assim como Humboldt, Vigotski assente que não há possibilidade de aquisição de conteúdos cognitivos, bem como domínios do pensamento fora da linguagem, nem esta é possível a par das relações sociais. A “mediação simbólica” da linguagem, para ambos, possibilita a atividade cognitiva; contestam a concepção meramente instrumental, representacionalista, em que aquela seria mera ponte para conteúdos formais pré-estabelecidos.

No tocante á segunda questão, a “função reguladora da linguagem”, concebida por Vigotski, está associada aos próprios limites e restrições das “operações simbólicas” frente ao mundo social, à realidade, e à própria linguagem, uma vez que esses processos estão contextualizados historicamente; há uma “continuidade-descontínua” entre pensamento (interior) e mundo (exterior). Nas palavras da autora:

   Ao afirmar que o sentido das palavras (word meaning) é praticamente a origem da ação reguladora da linguagem sobre as ações simbólicas humanas, Vigotski sugere que todo pensamento verbalizado é (auto) regulador. Não se trata de algo puramente metacognitivo: a organização interna da linguagem é fundamentalmente estruturada pelas regularidades enunciativo-discursivas constitutivas das interações humanas. (p.161)

Ainda, prossegue Morato:

Ao dizer que a unidade dessa relação, o pensamento verbal (verbal thinking), guarda a relação entre a interioridade e a exterioridade, constituindo-se uma atividade cognitiva (linguístico-cognitiva), ele estabelece, à maneira de Bakhtin, uma fronteira dialética de “duas esferas da realidade”. (p.152)

Enfim, Morato enfatiza a importância e atualidade de Vigotski para o pensamento lingüístico contemporâneo, sobremaneira às teorias enunciativas, ao destacar seu “pioneirismo” em considerar o “dialogismo como o elemento constitutivo por excelência dos processos cognitivos e da interação como fundadora de todo gesto interpretativo humano” (p.162).