segunda-feira, 30 de maio de 2011

Resenha de Artigo para o Seminário em Grupo III

GUSTAVO RAFAEL BIANCHI AZEVEDO FERREIRA - RA: 093845
O artigo de Roseli A. Cação Fontana, A constituição social da subjetividade: Notas sobre Central do Brasil, se pergunta o seguinte: Como chegamos a ser o que somos, ou seja, como se dá a constituição da subjetividade/individualidade? Para responder a essa pergunta, Fontana parte de uma abordagem histórico-cultural "guiada por Vigotski e Politzer, no campo da Psicologia, e por Bakhtin, no estudo da linguagem".
Os lugares ou papéis que o indivíduo ocupa na sociedade influenciam profundamente a sua constituição, sugerindo-lhe, na interação social, modos de ser e de dizer, modulando a sua subjetividade e o seu discurso. Mas tal modulação é contraditória, pois o indivíduo é, ao mesmo tempo, "ele mesmo" e o “outro” daquele(s) com quem ele interage. Portanto, para compreender a constituição do indivíduo, é preciso abordá-lo desse ponto de vista. Fontana diz:
"No esforço de experimentar esse modo de abordagem dos processos de constituição de subjetividades, tenho-me acercado das narrativas (...). Central do Brasil (...) foi uma dessas narrativas que me incitou a retomar a questão da constituição da subjetividade, pelo sentimento de comunidade de vida e de discurso que Dora, a professora aposentada, (...) despertou na (...) professora que sou".
Dora, a escrevedora de cartas, representa a professora brasileira que sofre muitíssimo com as condições precárias do ensino em seu país. Fontana interpreta o fato de nenhuma escola aparecer no filme como algo significativo. Essa ausência representaria precisamente a precariedade do trabalho escolar (baixos salários, nenhum reconhecimento ou valorização social, etc.).
Na Central do Brasil Dora ganha dinheiro com uma habilidade que ela domina graças à escolarização: a escrita. Ela escreve cartas para aqueles que não tiveram acesso a essa mesma escola. O domínio da escrita confere a ela, portanto, um poder sobre aqueles que não o possuem.
Segundo Fontana, o professor sofre um dilema, pois a "escola que nos legitima o exercício do ensino deita suas raízes em tempos remotos, quando foi sendo engendrada a cisão entre educação e educação escolar. Foi nesse processo de cisão e espoliação que o profissional de educação começou a ser gestado". Nesse sentido, Fontana trata um pouco da origem da profissionalização e remuneração do trabalho docente que, segundo ela, remonta aos sofistas da Grécia antiga. Além disso, a história desse trabalho sempre esteve atrelada à história humana, de forma que o professor nem sempre foi igual, mas, ao contrário, assumiu diferentes papéis sociais e discursivos ao longo da história, de acordo com as necessidades e as relações de poder de cada época e/ou região.
Fontana observa que, dentre os vários embates históricos, um deles toca a docência mais profundamente: o embate entre a prática e a teoria, entre o fazer e o contemplar/falar. Ela diz que há dois tipos de homens, nesse sentido: "Os homens da épeas, homens-do-dizer, como nos ensina Manacorda, possuem os bens materiais e detêm o poder. (...) Os homens da érga produzem e nada (ou pouco) possuem."
Segundo Fontana, Walter Salles, diretor de Central do Brasil, mostra nesse filme o poder que Dora possui em relação aos seus clientes. Mais do que isso, nas mãos de Dora "a escrita, que ela ensinou um dia, apresenta-se esvaziada de sua dimensão humanizadora (ação constitutiva, que modifica, que transforma), é estranhamento, é mercadoria (...)".
O professor de hoje experimenta o mesmo drama de Dora ao transmitir conhecimento a partir de uma estrutura escolar na qual esse conhecimento é tratado como mera mercadoria. Além de tal conflito Fontana também aponta que esse conhecimento, embora aparentemente do professor, foi produzido por outros - pelos cientistas - de modo que o professor se torna um mero mediador, sempre desvalorizado. Assim, tendo em vista estes problemas em que Dora, essa singular personagem, se insere, Fontana questiona seriamente:
"(...) que professoras/professores estamos sendo, em tempos difíceis como os de hoje, quando a escola caminha para funcionar cada vez mais como empresa, sendo a educação, esvaziada de seu significado humano, sua mercadoria? Nesse processo de formação e nas relações de trabalho vividas, quem estamos sendo? Quem estamos chegando a ser? Ao tom de que diapasão temos nos afinado?"
Por último, Fontana mostra como o encontro com Josué, menino pobre e abandonado, e a posterior relação com ele, transforma completamente Dora (e também Josué). E essa transformação é no sentido de tornar ambos os personagem mais humanos. Ora, tornar-se mais humano, no contexto desumanizador e empresarial da escola brasileira hoje é, sem dúvida, a transformação mais importante que pode ocorrer no professor (e também no aluno).

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