domingo, 22 de maio de 2011

Motivação em Vigotski 4 - Atividades Práticas (Bruno)

Nome: Bruno Naomassa Hayashi                            RA: 072866

Desde o início de maio venho participando do PIBID (programa institucional de bolsa de iniciação a docência) e venho auxiliando e acompanhando as aulas de sociologia no ensino médio em duas escolas diferentes: um colégio técnico no centro de Campinas e uma escola de formação normal na periferia de Campinas, ambas de iniciativa pública. Em cada escola acompanho a disciplina em apenas uma turma – ou seja, semanalmente são apenas 50 minutos de aula em cada escola – e está previsto o auxílio na correção de trabalhos e provas, além de monitorias tanto durante a aula como em horários extras.
Comecemos a falar do tema do nosso grupo, a motivação em Vigotski, no colégio técnico do centro de Campinas. Diferentemente da maioria dos colégios públicos é exigido aqui passar em um vestibulinho para o ingresso nos diferentes cursos (enfermagem, informática, etc. - a turma que eu acompanho é o 3º ano de informática). Devido a essa característica específica, as turmas são muito mais rigidamente compostas, isto é, ao longo dos três anos do colegial, os alunos terão basicamente os mesmo colegas de sala assim como as demais turmas serão mais claramente identificadas – foi possível inclusive observar uma relação veterano-bixo entre pessoas de mesmo curso, mas em anos diferentes. Isso facilita os professores na identificação das características mais gerais das turmas, os avanços e dificuldades dela e com isso podem adaptar as disciplinas melhor para cada turma. Facilita, além do mais, o fato de, durante três anos, essas mesmas turmas seguirem com basicamente os mesmo professores (no colégio todo, a sociologia tem apenas dois professores, que trabalham com certa intercomunicação e diálogo – as avaliações de ambos serão essencialmente a mesma: um projeto de pesquisa para o 2º bimestre, a pesquisa em si durante o 3º e 4º bimestre). Vale enfim ressaltar que, em geral, os alunos têm como importante objetivo também o vestibular para ingressar nas universidades brasileiras – isso foi confirmado por um ex-aluno do colégio, Rodrigo Cubo Subtil, hoje estudante de engenharia na Unicamp, que disse que mesmo por parte dos professores essa é uma preocupação significativa.
Aqui já temos alguns elementos importantes da motivação. O vestibulinho, que é bastante concorrido, já exclui de forma significativa aqueles menos motivados aos estudos, que pouco ou nenhum sentido (subjetivo ou objetivo) descobriram na escola e nos estudos, devido aos diversos fatores relacionados ao funcionamento específico de toda sociedade - essa discussão seria de fato demasiado longa para desenvolvermos aqui. Fato é que, para os que conseguem passar, estudar tinha no mínimo um motivo – ingressar no colégio técnico, motivo que já coloca esses alunos em uma relação diferente com os conteúdos (objeto da ação de estudar). Para passar no vestibulinho não basta nem mesmo só conhecer os conteúdos do ensino fundamental, é necessário um tipo de domínio flexível sobre eles, de modo que frente às questões possa aplicar do melhor modo possível os conteúdos e técnicas já apropriados pelo vestibulando. Em segundo lugar, será com base nesse tipo mínimo de aluno que serão formadas as turmas, o que para os professores significará maior homogeneidade de conteúdos, motivação e “inteligência” das turmas. Tudo isso - efeito do processo excludente e exclusivista do vestibulinho - contará significativamente para o rendimento das aulas. Um terceiro ponto é a questão afetiva, seja dos alunos entre si seja dos alunos com professores seja enfim dos alunos com os conteúdos. A afetividade, o gostar ou não gostar, aqui tem três anos pra se desenvolverem entre mais ou menos os mesmos sujeitos (diariamente no caso dos alunos entre si, semanalmente, para o caso do professor de sociologia), o que virá a afetar positiva ou negativamente também nos aspectos cognitivos da formação, isto é, na apropriação de conteúdos. Finalmente um quarto aspecto, é o futuro imediato dos alunos após o colegial, isto é, para muitos deles, o vestibular. Aqui temos quase que as mesmas questões para o vestibulinho, mas em outro nível. Motivado pelo sonho, vontade, necessidade, etc. de entrar na universidade, seguir essa ou aquela carreira, o aluno, ainda que não venha a estudar pelos conteúdos em si (motivo é diferente da ação em si), terá necessariamente uma relação muito profunda com os conteúdos e, portanto, com as aulas – isso tanto mais quanto mais esses conteúdos e aulas sejam necessários para o sucesso no exame vestibular.
Mas tudo isso ainda é demasiadamente abstrato, vejamos isso agora em uma aula concreta em sua estrutura e dinâmica. As aulas de sociologia que participo como estagiário seguem com grande participação da turma nas questões e discussões da aula. A exposição do tema principal é feita pelo professor por meio de slides (com pouco texto, muitas fotos e alguns vídeos e músicas). Os alunos em geral parecem gostar da disciplina, do professor, dos conteúdos – ao fim da aula, é comum os alunos falarem com o professor sobre alguma matéria tratada na aula. Como estudantes de informática não é a formação técnica que definem essa afinidade pelas temáticas das ciências humanas. Para a questão do vestibular poder-se-ia dizer que essas temáticas da sociologia têm profundo peso especialmente na confecção de redações e interpretações de textos e notícias, assim como no entendimento de fatos históricos e geográficos, aspectos tão valorizados pelos exames vestibulares. Mas a ausência de sequer uma menção ao vestibular, durante as três aulas que participei, mostra que essa é uma questão marginal para a dinâmica da aula, seja para o professor, seja para os alunos. Onde então residiria esse “gostar” (afetividade positiva) da aula de sociologia, que afeta positivamente no rendimento cognitivo da turma?
Para responder a essa pergunta seria necessário uma enquete ou algo dessa natureza, além de uma pesquisa de campo e observação mais profunda pra identificar as origens desse “gostar” – atividades que o pouco tempo não me permitirá fazer. Mas ainda assim é possível encontrar certos fatores, certas relações, que constituem as nossas hipóteses.
Quando da monitoria para o trabalho bimestral – o projeto de pesquisa –, feita no dia 20 de maio, seis grupos apresentaram seus temas e as formas como focariam e desenvolveriam a pesquisa (como a monitoria era de participação livre, nem todos os grupos apareceram, mas a maioria deles – e isso já é um dado que confirma o que segue). Longe de tão somente cumprirem uma obrigação, seguirem os temas e padrões propostos pelo professor e com isso ganhar boa nota, os grupos mostravam também razoável interesse por aquilo que eles pesquisavam – desigualdade, transporte público, direitos humanos, cotas. Em comum, todos eram críticos a algo que podemos aqui livremente chamar de “sistema” – apareceram subentendidos ou explicitamente menções ao estado, ao capitalismo, ao imperialismo norte-americano – assim como pareciam ansiosos em entender ou explicar criticamente essas questões. Isso de certa forma mostra a profunda penetração das aulas de sociologia (mas obviamente não somente delas) na formação desses alunos, já que há certa relação entre o que aparecia nos projetos e o que era o posicionamento do professor e das aulas frente à realidade. Mas mais do que isso, há nos alunos uma curiosidade autônoma, “natural” por estas questões, talvez por estarmos mergulhados em um país e (porque não) em um mundo profundamente problemático do ponto de vista social, estamos (excetuando-se os mais conformados ou cínicos dentre nós) sempre em busca de soluções, respostas e explicações dessa realidade, enfim, sempre em busca dos “culpados” pela miséria do mundo. Não ficaram alheios a isso esses alunos – felizmente. O peso dessa hipótese para a motivação dos alunos nas aulas e na confecção do projeto dependeria, porém, da já citada enquete.
                Pra finalizar essa longa análise sobre o colégio técnico, vejamos a última aula que participei, também no dia 20 de maio. Como nas outras duas aulas, ele deu continuidade ao tema da desigualdade social, começando com a dúvida de um aluno – na verdade uma encruzilhada natural a que chegaram os alunos na medida em que, desde as aulas passadas, vinham impondo questão sobre questão. A pergunta era mais ou menos assim: “imaginando uma sociedade simples, ‘primitiva’, comunal...mesmo nelas, existirão certas desigualdades de força, de beleza, de função dentro da comunidade, etc. Essas diferenças constituiriam desigualdade social?”. A questão é genuinamente sociológica e exemplo do alto nível da discussão na sala de aula, dadas as devidas limitações que uma discussão pode ter no ensino médio brasileiro. Sem entrar no mérito de como foi resolvido a questão em sala, para nós o que importa ressaltar sobre isso é apenas o fato de que antes de dar uma resposta o professor deixou os próprios alunos tentarem resolver a questão e as intervenções mostravam os mesmos méritos da pergunta, assim como as limitações teóricas normais a uma turma do ensino médio. Mais importante para o debate da motivação é que ficou claro para mim que a turma (talvez todos os alunos – mas pra saber isso dependeria da já citada pesquisa aprofundada) já tem todos os requisitos objetivos (conteúdos) e subjetivos (motivação, isto é, curiosidade pelo conteúdo) para ingressarem nos debates teóricos da sociologia – em termos vigotskianos, a ZDP da turma já está recheada de elementos da sociologia, ainda confusos e dispersos, mas de tal forma desenvolvidas que sua organização dependeria a partir de então de uma razoável teoria de estratificação social. Eu me explico melhor.
                Quando perguntado sobre desigualdade social nas sociedades simples, os alunos estão prestes a entender que muito da discussão depende de como se define a desigualdade social. Sendo impossível qualquer formação social em absoluta igualdade entre os membros, com igualdade em todos os aspectos (inclusive beleza, força, inteligência, dia de nascimento, prazeres, paixões, etc.), fica claro que quando se fala em uma realidade concreta de desigualdade social entre as pessoas é preciso delimitar que aspectos dessa realidade são realmente significativos e deveriam no limite ser combatidos. À medida que essa delimitação de elementos fosse se tornando rigorosa (o que talvez o ensino médio não seja suficiente), com uso de elementos estatísticos, de pesquisas de campo, de outras teorias, de críticas, etc. poder-se-ia surgir uma teoria bastante completa de estratificação social na cabeça dos alunos (a meu ver, a última aula mostrou que eles estariam justamente iniciando todo esse processo teórico – de corpo e “alma”). A discussão a que se chegou ademais é tão importante para a sociologia que obrigaria entrar nas principais correntes de pensamento social, suas semelhanças e diferenças inconciliáveis, e só então começar a se esboçar uma resposta satisfatória a questão levantada pelo aluno: por exemplo, grosso modo, a questão da igualdade formal dos cidadãos na teoria liberal (a proteção e subsídio dessa igualdade como solução – não se suprimindo senão esse tipo específico de desigualdade); a teoria do valor de Marx, em que a riqueza das nações junto da pobreza das massas se explicaria pelo fato dessas últimas ainda que produzindo grande massa de valor, são remuneradas apenas por uma pequena parcela dessa, ficando todo o resto – a chamada mais-valia – a uma classe social específica (a solução então seria destruir esse sistema de distribuição da massa de valores produzidos), etc.
                Em uma próxima postagem pretendo voltar a tratar do assunto observando especialmente o papel de gerenciador da dinâmica da aula feita pelo professor, com importante papel na motivação dos alunos, assim como tentar a mesma análise feita até agora com a segunda experiência, bastante distinta, do colégio de formação normal (não-técnica) na periferia de Campinas.


PS: pareceu mais interessante desenvolver, a partir do que já foi analisado, os relatos sobre as atividades práticas ao invés de manter a discussão de um ponto de vista tão somente teórico - essa se manterá presente mas agora diluída dentro das análises práticas.

Um comentário:

  1. oK, Bruno!
    Como partiram do cenário teórico, a articulação prática que vc apresenta agora fica bastante rica e significativa.
    Muito bom trabalho!
    Heloísa

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