Um aspecto que Leontiev chama a atenção é que de alguma forma o motivo está relacionado com o objeto da ação (e daí preferirmos falar aqui em separação analítica). Essa relação, no caso de uma ação (termo um tanto infeliz a meu ver – aqui no sentido de Leontiev, “objeto”≠“motivo”) se dá de forma profundamente mecânica: estudar para não sofrer surra ou bronca, escutar para admirar, para manter o contato com a pessoa. No caso da atividade (também um termo muito abrangente e infeliz – aqui no sentido de “objeto”=“motivo”) há uma relação direta, de forma que um se dissolve no outro, isto é, o que motiva a pessoa é a própria ação em si, o próprio objeto da ação – estudar para aprender conteúdos, escutar para apreender o conteúdo da palestra. O autor não chega a falar literalmente, mas existem, entre esses dois pólos, níveis intermediários: um aluno que estuda pela nota, não estuda pelo conteúdo em si, mas é visível que a relação do aluno com o conteúdo nesse caso já se dá de forma totalmente diferente daquele motivado pelo medo da surra. Ou seja, para conquistar uma boa nota ou uma nota mínima (motivo), o aluno terá de dominar real e minimamente o conteúdo (objeto da ação), o que mais dificilmente acontecerá com o aluno coagido (“motivado” por coação).
Complexificando mais essa discussão podemos pensar na questão dos dois níveis de motivo (“o meramente compreensível” e “o realmente eficaz”), ligada em sua análise ao processo de mudança dos motivos e, por conseguinte, da transformação de ação em atividade ou mesmo das atividades entre si. O exemplo de Leontiev é o da criança que estuda motivada pela coerção – surra, bronca, “senha para poder brincar” – sendo essa coerção, portanto, o motivo realmente eficaz, ao passo que aqueles discursos que acabam de alguma forma chegando à criança – de que o estudo é importante para o futuro dela, para sua inclusão na sociedade, etc. – acaba sendo um motivo apenas compreensível a ela, não realmente eficaz. À medida que esses motivos apenas compreensíveis vão se internalizando, vão sendo apropriados e ressignificados pela criança – através de sua própria vivencia social, nos diferentes lócus de atuação (casa, pré-escola, escola, festa, etc.) –, esses motivos se tornarão cada vez mais "motivos realmente eficazes" e, assim, seguindo nosso exemplo, a ação de estudar pode se tornar cada vez mais atividade independente de estudar.
Essa inclusão de “motivações apenas compreensíveis” coloca na órbita de toda e qualquer ação a possibilidade de mudanças das mais diversas e nas mais diferentes direções, podendo mesmo afetar drasticamente o sentido subjetivo de uma ação ou atividade. Assim, por exemplo, o militar que antes motivado pelos seus ideais patrióticos passa a lutar ao lado de seus antigos adversários ao perceber uma motivação mais nobre nesses. Assim também na escola, onde um aluno, motivado inicialmente pela bronca passa a se motivar pela nota, ou talvez, diretamente pelo próprio conteúdo. Por fim, vale ressaltar que será a própria vivência sócio-cultural da pessoa, nos diferentes momentos de sua vida, que irá sugerir ou impor os mais diversos motivos subsidiários, que ao longo de sua trajetória pessoal poderá tornar-se realmente eficaz ou simplesmente dissolver-se em meio a tantas outras coisas que a vida dissolve, mas nunca elimina. Sobre essa vivência sócio-cultural, real e concreta, é que Leontiev baseará a sua teoria do desenvolvimento, a qual as atividades principais do indivíduo (brinquedo, escolas, trabalho, serviço militar, etc.) e seus efeitos na mudança dos objetos de ação e dos motivos de ação, traduziriam os principais estágios do desenvolvimento humano. Essa importante discussão, porém, distancia-se dos fins de nosso grupo, sendo, por isso, deixada aqui apenas mencionada.
LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: VIGOTSKI, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagen, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone Editora, 1988.
PS: a postagem atual é mais um adendo à “Motivação em Vigotski 2”, que pode ter ficado um pouco confusa, mas que ainda assim tenta explicar o complexo texto de Leontiev. Vale ressaltar que o texto foi lido apenas por um dos componentes do grupo e com certa pressa, não tendo havido nenhuma discussão muito mais crítica a respeito de seu conteúdo – ainda que tenha havido cuidado em não cometer injustiças com o autor. Por isso, a complexidade do texto e os fins um tanto modestos do trabalho exigiram certa licença com relação a todos os detalhes do texto e dos conceitos, tendo sido exposto de forma que se adéqüe mais aos nossos fins. Diferenças entre “sentido da ação” e “motivo” ou entre motivo e coação não ficaram muito claros, se é que existem, também não ficou claro se a atividade principal carregaria em si o conceito de atividade. Apesar disso cremos (a responsabilidade por ele fica ao grupo todo) ser possível com o que foi exposto vislumbrarmos como Vigotski lidaria com a questão. A próxima etapa será colocar esses conceitos em teste, fazer perguntas sobre motivação a eles, e, por fim, incluiremos a discussão da afetividade na discussão.
mas o trabalho está ficando interessante...Vcs estão analisando conceitos relativamente complexos da teoria da atividade, na perspectiva histórico-cultural.
ResponderExcluirNão entendi, contudo, pq não concordaram com alguns termos de Leontiev!
Vamos lendo aqui o que estão interpretando...
Heloísa