quarta-feira, 18 de maio de 2011

Motivação em Vigotski 3 - Adendo a "Teoria de Leontiev"

Na primeira postagem a grande lacuna que ficou na discussão era com relação àquele elemento motivador – no nosso melhor exemplo, o que mantinha o ouvinte atento, não era o objeto da ação em si (os conteúdos da conversa ou, poderíamos pensar, da aula ou da palestra), mas um motivo subjetivo (a atração sexual ou admiração de qualquer outra ordem que o ouvinte guardava pelo falante). Assim tal como a criança que só estudava pelo medo da surra ou bronca e não pelo estudo em si, a conversa ou a atenção para a palestra em nosso exemplo se mantém por outro motivo que não o conteúdo dela por si mesma. Com essa separação analítica da ação em duas frentes (“objeto da ação” e “motivo”), temos então boas chances de encontrar caminhos para a análise motivacional em Vigotski, via Leontiev.

Um aspecto que Leontiev chama a atenção é que de alguma forma o motivo está relacionado com o objeto da ação (e daí preferirmos falar aqui em separação analítica). Essa relação, no caso de uma ação (termo um tanto infeliz a meu ver – aqui no sentido de Leontiev, “objeto”≠“motivo”) se dá de forma profundamente mecânica: estudar para não sofrer surra ou bronca, escutar para admirar, para manter o contato com a pessoa. No caso da atividade (também um termo muito abrangente e infeliz – aqui no sentido de “objeto”=“motivo”) há uma relação direta, de forma que um se dissolve no outro, isto é, o que motiva a pessoa é a própria ação em si, o próprio objeto da ação – estudar para aprender conteúdos, escutar para apreender o conteúdo da palestra. O autor não chega a falar literalmente, mas existem, entre esses dois pólos, níveis intermediários: um aluno que estuda pela nota, não estuda pelo conteúdo em si, mas é visível que a relação do aluno com o conteúdo nesse caso já se dá de forma totalmente diferente daquele motivado pelo medo da surra. Ou seja, para conquistar uma boa nota ou uma nota mínima (motivo), o aluno terá de dominar real e minimamente o conteúdo (objeto da ação), o que mais dificilmente acontecerá com o aluno coagido (“motivado” por coação).

Complexificando mais essa discussão podemos pensar na questão dos dois níveis de motivo (“o meramente compreensível” e “o realmente eficaz”), ligada em sua análise ao processo de mudança dos motivos e, por conseguinte, da transformação de ação em atividade ou mesmo das atividades entre si. O exemplo de Leontiev é o da criança que estuda motivada pela coerção – surra, bronca, “senha para poder brincar” – sendo essa coerção, portanto, o motivo realmente eficaz, ao passo que aqueles discursos que acabam de alguma forma chegando à criança – de que o estudo é importante para o futuro dela, para sua inclusão na sociedade, etc. – acaba sendo um motivo apenas compreensível a ela, não realmente eficaz. À medida que esses motivos apenas compreensíveis vão se internalizando, vão sendo apropriados e ressignificados pela criança – através de sua própria vivencia social, nos diferentes lócus de atuação (casa, pré-escola, escola, festa, etc.) –, esses motivos se tornarão cada vez mais "motivos realmente eficazes" e, assim, seguindo nosso exemplo, a ação de estudar pode se tornar cada vez mais atividade independente de estudar.

Essa inclusão de “motivações apenas compreensíveis” coloca na órbita de toda e qualquer ação a possibilidade de mudanças das mais diversas e nas mais diferentes direções, podendo mesmo afetar drasticamente o sentido subjetivo de uma ação ou atividade. Assim, por exemplo, o militar que antes motivado pelos seus ideais patrióticos passa a lutar ao lado de seus antigos adversários ao perceber uma motivação mais nobre nesses. Assim também na escola, onde um aluno, motivado inicialmente pela bronca passa a se motivar pela nota, ou talvez, diretamente pelo próprio conteúdo. Por fim, vale ressaltar que será a própria vivência sócio-cultural da pessoa, nos diferentes momentos de sua vida, que irá sugerir ou impor os mais diversos motivos subsidiários, que ao longo de sua trajetória pessoal poderá tornar-se realmente eficaz ou simplesmente dissolver-se em meio a tantas outras coisas que a vida dissolve, mas nunca elimina.  Sobre essa vivência sócio-cultural, real e concreta, é que Leontiev baseará a sua teoria do desenvolvimento, a qual as atividades principais do indivíduo (brinquedo, escolas, trabalho, serviço militar, etc.) e seus efeitos na mudança dos objetos de ação e dos motivos de ação, traduziriam os principais estágios do desenvolvimento humano. Essa importante discussão, porém, distancia-se dos fins de nosso grupo, sendo, por isso, deixada aqui apenas mencionada.


Bibliografia.


LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: VIGOTSKI, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagen, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone Editora, 1988.



PS: a postagem atual é mais um adendo à “Motivação em Vigotski 2”, que pode ter ficado um pouco confusa, mas que ainda assim tenta explicar o complexo texto de Leontiev. Vale ressaltar que o texto foi lido apenas por um dos componentes do grupo e com certa pressa, não tendo havido nenhuma discussão muito mais crítica a respeito de seu conteúdo – ainda que tenha havido cuidado em não cometer injustiças com o autor. Por isso, a complexidade do texto e os fins um tanto modestos do trabalho exigiram certa licença com relação a todos os detalhes do texto e dos conceitos, tendo sido exposto de forma que se adéqüe mais aos nossos fins. Diferenças entre “sentido da ação” e “motivo” ou entre motivo e coação não ficaram muito claros, se é que existem, também não ficou claro se a atividade principal carregaria em si o conceito de atividade. Apesar disso cremos (a responsabilidade por ele fica ao grupo todo) ser possível com o que foi exposto vislumbrarmos como Vigotski lidaria com a questão. A próxima etapa será colocar esses conceitos em teste, fazer perguntas sobre motivação a eles, e, por fim, incluiremos a discussão da afetividade na discussão.

Um comentário:

  1. mas o trabalho está ficando interessante...Vcs estão analisando conceitos relativamente complexos da teoria da atividade, na perspectiva histórico-cultural.
    Não entendi, contudo, pq não concordaram com alguns termos de Leontiev!

    Vamos lendo aqui o que estão interpretando...
    Heloísa

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