domingo, 15 de maio de 2011

Motivação em Vigotski 2 - Teoria de Leontiev

Da última postagem ficou definitivamente claro que o conceito de ZDP, ainda que de longe alcance explicativo, não alcança nem explica um aspecto primordial quando o assunto é a motivação: trata-se de um elemento, por exemplo, o caso do ouvinte diante da paixão de sua vida, que mesmo não entendendo nada da conversa mantinha-se atento e motivado, isto é, retomando a postagem anterior, para além da questão do entendimento do que é falado (sem dúvida com um papel significativo para motivação - ao que o conceito de ZDP ilumina vários aspectos), o elemento determinante da motivação é de fato outro e, arriscaria dizer, de outra natureza, mais subjetiva e muito menos delimitável do ponto de vista teórico, como o exemplo da paixão aclara bastante. A esse elemento determinante podemos chamar de motivo, emprestando um conceito do colaborar de Vigotski, Alexis Nikolaievitch Leontiev. Nessa segunda postagem, nos limitaremos a expor a teoria do motivo, para em outro momento fazermos nossa própria análise.

Em um ensaio bastante denso, Leontiev procurando explicar o desenvolvimento na infância acaba nos dando diversas pistas e abrindo várias possibilidades de interpretação do foco de nosso grupo de seminário ao tratar da questão da ação e da atividade, a que tentaremos expor agora de forma um pouco livre. Toda ação para ser executada depende não apenas de um objeto de ação, do que ele chama de objetivo, mas também de um motivo subjetivo. Assim, motivado pela coerção de um exame final ou mesmo de uma bronca ou surra, a criança acaba dedicando algumas horas ingratas para a leitura de um livro, cuja aquisição de conteúdos perfaz o objeto da ação de ler. A essa diferença entre motivo e objeto, Leontiev dará o nome de ação. Quando esses dois aspectos da ação se coincidem, isto é, quando o motivo de uma leitura coincide com o objeto da ação de ler (a aquisição de conteúdos), o autor passa a falar então em atividade - para os fins do seu ensaio essa diferenciação procurava explicar o desenvolvimento das crianças a partir da análise das alterações daquilo que ele denomina de atividades principais, que determinariam, por sua vez, as principais mudanças psicológicas.

Para os nossos fins, cabe agora olharmos como será aprofundada a questão da gênese e do processo de mudança do motivo. Quanto a isso, Leontiev percebe dois níveis de motivação - "motivos apenas compreensíveis" e "motivos realmente eficazes". O exemplo usado por ele é da criança que estuda motivada pela coerção de que só assim poderá brincar, sendo esse o motivo realmente eficaz, ao passo que aqueles discursos que acabam de uma forma chegando a criança - de que o estudo é importante para o futuro dela, sua inclusão na sociedade, etc. - acaba apenas sendo um motivo compreensível a ela, não realmente eficaz. A medida que esses motivos apenas compreensíveis vão se internalizando pela própria vivencia social e ação constante da criança, em seus diferentes lócus - escola, pré-escola, casa, festa -, esses motivos se tornarão cada vez mais "realmente eficazes" - ao mesmo tempo em que outros e novos motivos vão dando as caras, paralela ou juntamente ao desenvolvimento de novos círculos de ação e atividade social. Em suma, a ação de estudar por motivos alheios ao estudo em si, se torna cada vez mais atividade independente de estudo - independente no sentido, a nosso ver, de não depender de motivos subjetivos alheios ao objeto da ação

 Cabe antes de concluirmos tocarmos em um ponto interessante que Leontiev chama a atenção que diz respeito ao sentido da ação. Dirá ele: "[...] o propósito [objeto da ação] de um mesmo ato pode ser percebido diferentemente dependendo de qual é o motivo que surge precisamente em conexão com ele. Assim, o sentido da ação também muda para o sujeito" (LEONTIEV, 1988, p. 73). Assim é que mudando-se o motivo, muda-se do mesmo modo o sentido da ação (esse com conotação parecida ao "sentido" desenvolvido por Vigotski quando falando a respeito da linguagem) - sendo possível ver assim o alcance que Leontiev dará para o seu conceito de motivo. Na próxima postagem testaremos em diferentes frentes as potencialidades dessa abordagem do conceito de motivo, procurando principalmente responder as questões que ficaram abertas quando do teste do conceito de ZDP. A partir do que pudermos responder, concluir e/ou questionar a respeito do motivo, somaremos por fim a questão da afetividade.

Bibliografia.


LEONTIEV, A. N. Uma contribuição à teoria do desenvolvimento da psique infantil. In: VIGOTSKI, L. S., LURIA, A. R., LEONTIEV, A. N. Linguagen, desenvolvimento e aprendizagem. São Paulo: Ícone Editora, 1988.

Um comentário:

  1. Bruno, vcs estão num bom percurso sobre a noção de motivo e a de subjetividade (quando falam dos sentidos)...É por aí! A contribuição de Leontiev sobre o conceito de atividade é, sem dúvida, fundamental para isso.
    Heloísa

    ResponderExcluir

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.